Análise: A Algoritmização da Barbárie e o Caso Havaianas
O episódio
envolvendo a campanha da Havaianas com Fernanda Torres transcende uma simples
disputa comercial; ele é um sintoma pedagógico de um fenômeno sociotécnico
contemporâneo. Podemos classificar essa atitude e conectá-la ao conceito de Algoritmização
da Barbárie através de três eixos fundamentais:
1.
Classificação da Atitude: O "Pânico Moral Estratégico"
A reação de
lideranças de extrema-direita não é meramente orgânica, mas sim uma forma de Pânico
Moral Estratégico.
- Distorção Semântica: A expressão
"pé direito" é um idiomatismo secular. A transformação de um
voto de sorte em uma "indireta política" demonstra uma
vigilância semiótica exaustiva, onde qualquer signo (cores, gestos ou
palavras) é sequestrado para alimentar o binarismo "nós contra
eles".
- Sinalização de Virtude Negativa: O ato
de descartar o produto e postar nas redes sociais serve como um rito de
passagem digital. O objetivo não é apenas prejudicar a marca, mas
reafirmar a identidade do grupo através da exclusão e do ataque a um
símbolo cultural (Fernanda Torres).
2. A
Algoritmização da Barbárie
O conceito de Algoritmização
da Barbárie refere-se ao modo como as redes sociais priorizam o conflito e
a desumanização em busca de engajamento. No caso em tela, isso se manifesta da
seguinte forma:
A Economia
do Conflito
Os algoritmos das
plataformas (X, Instagram, TikTok) são programados para maximizar o tempo de
tela. Conteúdos que geram indignação e raiva têm taxas de
distribuição exponencialmente maiores do que conteúdos neutros. A
"barbárie" (o ataque, o boicote, o ódio) torna-se o produto mais
rentável para a plataforma.
O
"Efeito Manada" Automatizado
Uma vez que uma
liderança dispara o gatilho do boicote, os algoritmos criam uma câmara de
eco. O usuário que consome conteúdo de direita passa a ser inundado apenas
por vídeos de pessoas jogando sandálias fora, criando a ilusão de que existe
uma unanimidade moral sobre aquele "erro" da marca, o que acelera o
comportamento de manada.
A
Descontextualização como Método
A algoritmização
exige fragmentos curtos. Um vídeo de 15 segundos ignorando o contexto de uma
campanha de fim de ano é perfeito para a viralização. A complexidade (a
metáfora da sorte) é sacrificada em favor da eficácia do ataque.
3. Impacto
Econômico: O "Terrorismo de Mercado"
A queda de R$ 200
milhões no valor de mercado da Alpargatas revela a eficácia dessa estratégia no
capitalismo de vigilância:
- Insegurança Corporativa: O mercado
reage ao ruído digital, não necessariamente à lógica. A queda nas ações é
um reflexo do medo de que a "máquina de cancelamento" afete o
consumo real, mesmo que a polêmica seja artificialmente inflada.
- O "Chilling Effect" (Efeito Inibidor): O objetivo final da extrema-direita, ao usar a força do algoritmo
para punir uma marca, é intimidar outras empresas. Isso cria um ambiente
onde o setor privado passa a evitar artistas ou temas que possam ser
"polemizados", gerando uma censura velada pelo mercado.
Conclusão
Estamos diante de
uma simbiose entre ideologia e código. A barbárie não é apenas a falta
de civilidade, mas uma tática política que encontrou no design das redes
sociais a ferramenta perfeita para a fragmentação social. O caso da Havaianas
prova que, na era da algoritmização, a verdade da mensagem importa menos que a
sua capacidade de ser convertida em um projétil digital contra o adversário.







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